Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir
à despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão subtil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
Turim, Itália. Abril de 2007. Início de uma nova aventura. Mais longa. Mas igualmente bela...
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2 comments:
Olá Ana Raquel
Não me conhece, mas tive hoje o prazer de conhecer a sua mãe Esmeralda e o seu irmão, tudo isto porque fui à Abrunhosa ao cemitério (resido em Aveiro) e aproveitei para dar um beijinho à Dª.Aida -conhecida dos tempos de África.
Eu nasci em Moçambique, mas o meu marido é natural da Abrunhosa.
Gostei muito de conhecer o blog e acho o tema de hoje, simplesmente magnífico!
Desejo-lhe as maiores felicidades a nível académico e pessoal.
Gracinda e João
Obrigada pela visita e pelas palavras . Volte sempre.
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